quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Arriscada Aventura


"É verdade que as leis e os costumes sociais retiraram do matrimônio todo o seu sentido. Em primeiro lugar, a admissão do divórcio elimina a segurança na luta por manter o vínculo. Em segundo lugar, a aceitação social de 'devaneios' extramatrimoniais suprime a exigência da fidelidade. Por último, a difusão dos anticoncepcionais despoja os filhos de relevância e valor.

O que resta, então, da gran
deza da união conjugal? O que é feito da arriscada aventura que o matrimônio sempre foi? Para que passar pela igreja ou pelo juiz de paz? Assim vistas as coisas, teríamos de começar por dar razão àqueles que sustentam a absoluta primazia do 'amor' para depois lhes fazer ver uma coisa de capital importância.


'É impossível homem e mulher amarem-se, profundamente, sem estarem casados.' Ainda que possa causar um certo espanto, o que acabo de dizer não é nada estranho. Em todos os âmbitos da vida humana, é preciso aprender e adquirir competências. Por que teria de ser diferente no amor, que é simultaneamente a mais gratificante, a mais decisiva e a mais difícil das nossas atividades?

Jacinto Benavente afirmava que 'o amor tem de ir à escola', e é verdade. Para poder amar verdadeiramente é preciso exercitar-se, tal como é preciso temperar os músculos para ser um bom atleta.

O casamento nos capacita para amar de uma maneira real e efetiva. A nossa cultura não acaba de entender o matrimônio, mas o contempla como uma simples cerimônia, um contrato, um compromisso. Tudo isso é, sem chegar a ser falso, demasiado pobre. Na sua essência mais íntima, o ato de casar-se constitui uma expressão delicada de liberdade e de amor. O 'sim' é um ato profundíssimo, inigualável, mediante o qual duas pessoas se entregam plenamente e decidem amar-se mutuamente por toda a vida.

É amor de amores, amor sublime que me permite 'amar bem'. Como diziam os nossos clássicos, 'fortalece a minha vontade e habilita-a para amar em outro nível. Situa o amor recíproco numa esfera mais elevada. Por isso, se não me casar, se excluir esse ato de amor total, ficarei impossibilitado de amar de verdade o meu cônjuge', tal como alguém que não treina ou não aprende uma língua se torna incapaz de falá-la. 

À sua jovem esposa, que lhe tinha escrito: 'Esquecer-te-ás de mim, que sou uma provinciana, entre as tuas princesas e embaixadoras?', Bismark respondeu: 'Esqueceste que me casei contigo para te amar?' Estas palavras encerram uma intuição profunda: o “para te amar” não indica uma simples decisão para o futuro, inclusive inamovível, mas equivale, afinal de contas, a um 'para te poder amar' com um amor autêntico, supremo, definitivo... Impossível sem a mútua entrega do matrimônio.

Não se trata de teoria. O que acabo de expor tem claras manifestações no âmbito psicológico. O ser humano só é feliz quando se empenha em qualquer coisa de grande que, efetivamente, compense o esforço. O mais impressionante que um homem e uma mulher podem fazer é amar. Vale a pena dedicar toda a vida a amar cada vez melhor e mais intensamente. É, na realidade, a única coisa que merece a nossa dedicação. Tudo mais, tudo mesmo, deveria ser apenas um meio para o conseguir. 'No entardecer da nossa existência' – dizia um clássico castelhano – 'seremos examinados sobre o amor'. E sobre nada mais, acrescento eu.

Quando me caso, estabeleço as condições para me dedicar sem reservas à tarefa de amar. Pelo contrário, se simplesmente vivermos juntos, e ainda que eu não tenha consciência disso, terei de dirigir todo o esforço à 'defesa das posições alcançadas', a 'não perder o que foi ganho'.

Tudo, então, torna-se inseguro, a relação pode romper-se a qualquer momento. Se não tenho a certeza de que o outro se vai esforçar seriamente por amar-me e superar as fricções e conflitos do convívio cotidiano, por que terei de fazê-lo eu? Não posso 'baixar a guarda', mostrar-me de verdade como sou, pois vai que meu parceiro descubra defeitos 'insuportáveis' em mim e decida acabar com tudo?

Perante as dificuldades que, forçosamente, têm de surgir, a tentação de abandonar a relação conjugal está sempre muito próxima, pois nada impede essa deserção.

Em resumo, a simples convivência sem entrega definitiva cria um clima em que a razão fundamental e entusiasmadora do matrimônio – fazer crescer e amadurecer o amor e, com ele, a felicidade – se vê muito comprometida." 

(Tomas Granados)