domingo, 21 de dezembro de 2008

Palavras Não Proferidas

"AS MAIS LINDAS PALAVRAS DE AMOR SÃO DITAS NO SILÊNCIO DO OLHAR." (Leonardo da Vinci)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Escutar Profundamente

ESCUTAR PROFUNDAMENTE

Thich Nhat Hanh

Podemos traduzir "escutar profundamente" também como "escutar compassivamente", quer dizer, escutar com compaixão, ou escutar com carinho. Ouvimos com um só objetivo; não escutamos para criticar, culpar, corrigir a pessoa que está falando ou condená-la. Só escutamos com um objetivo, e este é aliviar o sofrimento daquele a quem estamos escutando. Temos que nos sentar quietos, temos que nos sentar com liberdade interior, e temos que estar cem por cento presentes, corpo e mente, e escutar de modo que o outro ou a outra possa aliviar seu sofrimento. Se a outra pessoa diz coisas que não são certas, que são percepções erradas, podemos ter o desejo de responder, dizer, "Isso está errado!" e discutir com ela. Mas não devemos fazer isso - temos que nos sentar e escutar. Se pudermos nos sentar durante uma hora, esta será uma hora de ouro. Aquela hora será uma hora que pode curar e transformar.

Podemos fazer muito melhor do que vários psicoterapeutas, porque há psicoterapeutas que não aprenderam a escutar profundamente, que não aprenderam a escutar com compaixão. Psicoterapeutas têm seus próprios sofrimentos, talvez muitos sofrimentos, de forma que a sua capacidade de escutar profundamente pode não ser muito grande. Não sabemos muito sobre as teorias de psicoterapia, mas praticamos o parar e olhar profundamente, praticamos o escutar profundamente, e portanto podemos fazer melhor que alguns psicoterapeutas. Nós usamos o método de escutar profundamente, em primeiro lugar para nossos entes queridos e nossa família, e uma vez que tivermos êxito com nossa família, podemos ajudar nossos amigos. Podemos escutar profundamente de forma que o mundo sofra menos; isso é nossa prática. Claro que psicoterapeutas têm que aprender a escutar profundamente de acordo com a prática para que sejam psicoterapeutas realmente bons.

Quando podemos escutar profundamente, e quando soubermos falar amorosamente também, isso terá a função de reavivar a comunicação entre duas pessoas. De fato, quando sabemos escutar profundamente, já falaremos amorosamente. Em nosso tempo, a tecnologia de comunicação é muito grande. Temos todos os tipos de meios de comunicação, como e-mail, fax e telefone, e assim podemos estar muito depressa em contato com o outro, e num par de horas notícias podem ser levadas de um extremo do mundo ao outro. Mas, há obstrução na comunicação entre pessoas de uma família, entre o pai e filho, entre a esposa e marido. Então, é muito importante para nós aprendermos a escutar profundamente.

A razão por que o marido e a esposa se fazem sofrer é que eles não entendem um ao outro, não sabem escutar profundamente um ao outro. Eles não têm a capacidade de usar a fala amorosa. Eles não sabem que enquanto estão fazendo um ao outro sofrer, também estão fazendo seus filhos sofrerem. E quem são seus filhos? Eles são a sua continuação. Para dizer isto de outro modo, eles são nós mesmos. Quando nos fazemos sofrer, quando fazemos nosso marido ou nossa esposa sofrer, também estamos fazendo nossos filhos sofrerem. Eles também farão nossos netos sofrerem, porque não temos a capacidade de mostrar-lhes a arte de criar felicidade, ou a arte de fazer nossos cônjuges felizes. E com quem nossos filhos podem aprender isso, se não podem aprender isto conosco? Se não aprenderem isto, crescerão e cometerão os mesmos enganos que nós cometemos, e este ciclo de Samsara continuará neles; e nosso sofrimento será passado para nossos filhos, e o seu sofrimento será passado para nossos netos, e este ciclo de Samsara nunca se acabará. Nós temos que pôr um fim neste ciclo pelo método de escutar profundamente e usar a fala amorosa. Usar a fala amorosa e escutar profundamente estabelecerão a comunicação, e quando há comunicação e entendimento entre nós, então a felicidade estará lá.

Talvez em tempos anteriores a mãe e o pai sorrissem um para o outro. Naquele tempo quando se conheceram pela primeira vez, quando se apaixonaram, e não percebiam que aquela pessoa iria viver com eles para o resto das suas vidas. Assim quando um casal toma a decisão, de um modo superficial, de viver junto para o resto de suas vidas, e estes dois corpos efetivamente vem a viver juntos, mas suas almas não estão em harmonia, não há nenhuma comunicação, não há entendimento, não há o compartilhar das coisas profundas de suas almas, então não há nenhum contato. Se somos jovens, sabemos que em tempos anteriores nosso pai também era jovem, nossa mãe também era jovem, e nos primeiros momentos, quando se juntaram, não compartilhavam ainda as coisas mais profundas dos seus corações, e então eles cometeram um engano. Isso iniciou seu sofrimento para o resto das suas vidas. Nós vemos que como crianças estamos continuando aquele sofrimento, e se não formos hábeis, se não formos inteligentes, repetiremos os enganos que nossas mães e pais cometeram, especialmente quando nos apegamos, e nos apaixonamos, e fazemos um compromisso de ficar com a outra pessoa. Nós não queremos fazer como nossa mãe e nosso pai, mas no fim nós faremos como nossa mãe e nosso pai, e faremos nosso companheiro sofrer, e daremos à luz a crianças que também sofrerão, e isso é chamado Samsara.

Uma pessoa é feita de corpo e mente. Se há só comunicação entre os corpos, mas não entre as almas, isto é muito perigoso. Quando amamos um ao outro, queremos estar perto um do outro, mas esta proximidade é uma proximidade de almas onde existe comunicação, onde existe entendimento, onde podemos compartilhar juntos valores espirituais? Se for assim a união dos dois corpos terá sentido e trará felicidade. Mas se dois corpos estão juntos sem uma união das almas, então haverá sofrimento, e nós não poderemos falar para nossos filhos sobre o significado do real amor. Então nós podemos chamar tal união de dois corpos de "sexo vazio".

Quando crianças de doze ou treze anos, ou de quatorze anos, ficam juntas, e dormem juntas, o que acontecerá? Há a união dos dois corpos, empurrados através do desejo sexual, mas as duas crianças não entendem uma a outra, não sabem nada sobre a outra, não sabem o que é o amor. Isso é o que nós chamamos sexo vazio, e é muito perigoso, porque então esses dois jovens entrarão profundamente no caminho do desejo sexual onde nada mais existe além do sexo, nenhuma compreensão. Isto é ensinado muito claramente na tradição asiática, e eu penso que isto também foi dito em tempos antigos na tradição Ocidental.

Na tradição asiática, nossos corpos também são sagrados, como nossas almas, e nós não podemos compartilhar nossos corpos com qualquer pessoa. Em nossos corpos existem partes que são muito sagradas, como o topo de nossa cabeça, por exemplo. Normalmente um pai e mãe no Vietnan, quando seus filhos ficam à sua frente na idade de três ou quatro anos, perguntarão para elas: "Meu filho, você ama seus pais?" e a criança dirá, "eu a amo Mamãe, eu o amo Papai". Os pais perguntam, "Onde você põe seu amor por seus pais?" e a criança diz "eu pus meu amor por meus pais em minha cabeça”. O topo da cabeça, no que diz respeito ao povo asiático, especialmente os vietnamitas, é o altar; e naquele altar nós colocamos a coisa mais sagrada. Por exemplo, se entrarmos em uma casa no Vietnan, mesmo se aquela casa for muito pobre, sempre haverá um altar ancestral. Aquele altar ancestral é muito sagrado. Naquela mesa talvez seja colocado apenas um prato de frutas ou um vaso de flores, ou um pouco de incenso. Nós não vamos ao mercado e então colocamos a bolsa de compras em cima da mesa do altar ancestral quando voltamos para casa. Isso seria uma grande irreverência, e ninguém jamais faria isso.

No que diz respeito ao nosso corpo, o seu altar é o topo de nossa cabeça, e nós adoramos o Buda, adoramos os antepassados no topo de nossa cabeça. No que diz respeito a um vietnamita, se alguém põe a mão em nossa cabeça, seria muito irreverente. Há ocidentais que não entendem isto, e eles põem suas mãos em nossa cabeça, mas temos vontade de lhes dizer, "Por favor, ponha sua mão em meu ombro, mas não em minha cabeça. Caso contrário eu me sentirei muito ofendido, eu acho isso muito ofensivo". (...)

Além do topo de nossas cabeças, há outras partes sagradas de nosso corpo. Há outras partes de nosso corpo que nós não queremos que ninguém veja, que não queremos que ninguém toque. Isto é verdade para uma menina, e é verdade para um menino. Nosso corpo é sagrado, como nossa alma. Em nossa alma, há áreas sagradas que não queremos que ninguém veja ou toque. Há experiências, há imagens que queremos manter escondidas para nós mesmos. Nós não queremos compartilhá-las com qualquer pessoa. Só quando aquela pessoa for alguém em quem temos a maior confiança do mundo, a quem mais amarmos no mundo. Então tiraremos essas coisas das profundidades de nossos corações e as mostraremos para ela. Mas o número de pessoas neste mundo com quem nós podemos compartilhar estas coisas é muito pequeno, provavelmente único. Há áreas em nossa alma que são áreas proibidas, assim como na cidade imperial onde existem lugares proibidos que vocês não podem entrar. Se vocês entrarem serão presos, e terão sua cabeça decepada! Com nossa alma é o mesmo, com nosso corpo é o mesmo. Há áreas secretas que são muito sagradas, e nós não podemos permitir a qualquer um entrar. Nós podemos segurar alguém nas mãos, podemos pôr nossa mão nos ombros de alguém, mas tocar estas áreas sagradas, estas áreas secretas de nossos corpos, é algo que não deveríamos fazer, e isso inclui o topo de nossas cabeças.

Somente quando temos alguém que realmente nos entende, que realmente nos ama, que viverá conosco até a morte, seremos capazes de compartilhar essas áreas profundamente escondidas de nossos corpos e nossas almas. Então a união de dois corpos será como uma cerimônia muito sagrada. Esta união de dois corpos é ao mesmo tempo a união de duas almas, e criará a felicidade. Em tempos antigos isto era muito claro entre os Orientais, e eu estou certo de que na tradição Ocidental também existia tal concepção, mas se perdeu para muitos de nós; olhamos para nossos corpos, olhamos para nossas almas, e não vemos sua sacralidade. Nós não cuidamos de nossos corpos e almas na hora de nos unirmos a outro corpo. Quando crianças de treze e quatorze fazem sexo, é algo muito perigoso. Elas não sabem o que é o amor, não sabem o que é o corpo, não sabem o que é a alma. Se elas agirem assim, no futuro não terão a oportunidade de saber o que é o real amor, o que é a real comunicação. É como uma fruta que não está madura ainda; é uma flor, que não desabrochou ainda. Então, nós temos que proteger nossos jovens. (...)

Nos anos 1930 e 1940 havia um jovem poeta que escrevia apenas poesia de amor, e um dia ele escreveu um poema que dizia:

Você Ainda Está Muito longe
Um dia você estava sentada longe de mim.
Eu lhe pedi para vir e se sentar perto de mim.
Você aproximou-se um pouco mais, e eu fiquei irritado.
Você apenas aproximava-se um pouco mais todo o tempo.
Eu estava a ponto de ficar com raiva.
Você depressa se levantou
Veio e se sentou perto de mim.
Lá estava você. Eu estava contente.
Mas logo fiquei triste novamente,
Porque vi que nós ainda estávamos muito longe um do outro:
Sentados muito próximos, ainda muito longe.
Por que longe? Nós estávamos sentados próximos um do outro,
Nossos corpos estavam extremamente próximos um do outro.
Por que estávamos distantes?
Porque ainda não havia nenhuma comunicação entre nossas almas.
Os dois universos ainda estavam separados e distantes.


Estas duas pessoas jovens, embora durmam juntas, ainda estão distantes. Elas não podem retirar a parede que os está dividindo. Quando dormimos com uma pessoa, podemos sentir que, porque estamos perto dela, há comunicação; mas isso é uma ilusão. A união de dois corpos podem provocar maior separação que antes. Muitas pessoas testemunharam que se não há entendimento, comunicação, real amor, o profundo compartilhar de nossos ideais e nossa vida, e ainda assim unimos nossos corpos e fazemos sexo, então não só não haverá nenhuma comunicação naquele momento, mas um enorme abismo pode ser cavado entre nós, e isso é muito perigoso.

Fonte: http://sangavirtual.blogspot.com

domingo, 30 de novembro de 2008

O Casamento

O CASAMENTO

Chagdud Tulku Rinpoche

Os votos de casamento não são apenas parte de uma cerimônia externa. São mais importantes, já que representam um compromisso interno, mental. Para entender como manter esse compromisso durante a vida, você precisa compreender o contexto maior desses votos.

Dentre os vários tipos de seres no universo, nós, como humanos, atingimos uma situação muito rara e afortunada, uma base ímpar para o trabalho de desenvolvimento espiritual. Contudo, se não reconhecermos a preciosidade de nossa vida humana, a desperdiçamos – como alguém que encontra uma pepita de ouro e, não reconhecendo seu valor, faz mau uso dela, talvez como um objeto que possa segurar sua porta. Agora somos como minério de ouro bruto, não reconhecemos nossa natureza verdadeira como ouro. Quando usamos bem essa oportunidade, podemos refinar o
minério para revelar nossa pureza inerente, nossa natureza divina.

No casamento, cada um pode apoiar o caminho espiritual do outro e ajudar a assegurar que o potencial da vida humana não seja desperdiçado. Isto é muito importante já que a oportunidade que temos como humanos é muito breve. É natural desejarem permanecer juntos por um longo tempo, mas não podem saber quanto tempo suas vidas ou relacionamentos vão durar. Tudo é impermanente em nossas experiências. Este universo que habitamos não existia há muito tempo e, um dia, ele será mais uma vez reduzido ao nada. Houve um tempo em que nosso corpo físico não existia e um dia ele terá, mais uma vez, desaparecido. De todas pessoas que viveram nesta terra há cem anos atrás, quantas ainda estão aqui? E dessas, quantas estarão aqui dentro de cem anos? Se vocês entenderem a impermanência, perceberão a importância de usar bem o tempo que estão juntos.

Desde o início, precisam pensar claramente qual é a direção que seu casamento vai tomar. O mais importante não é tanto estarem juntos e sim como irão usar o tempo que estão juntos.

Casamento significa o compromisso de agora em diante, pelo resto de suas vidas, viver em harmonia, com alegria, amor e afeição, e com a intenção de beneficiar um ao outro, o máximo possível. Isto significa tentar diariamente colocar a felicidade do seu parceiro à frente da sua. Tanto no nível mundano quanto espiritual, é a decisão de atender às necessidades e contribuir para o crescimento espiritual do outro. O amor genuíno e altruísta que vocês expressam um pelo outro irá criar virtude que trará felicidade nesta vida e plantará as sementes de felicidade futura.

Cada um de vocês escolheu o outro entre tantas flores deste jardim terrestre. Assim, é importante que você encare o casamento com um senso de altruísmo, de beneficiar um ao outro o máximo possível, na alegria e na tristeza, felicidade e infelicidade. Se o homem inicia o relacionamento pensando "esta mulher é minha esposa agora, é dever dela me dar o que necessito, me fazer feliz", ou se a mulher pensa "este agora é meu marido, ele me deve felicidade, ele me deve satisfazer", estas expectativas só criarão problemas. Ao invés de exigir isto do outro e esperar algo para si mesmo, comprometam-se um com o outro, assumam a responsabilidade pela felicidade do seu parceiro. Tenham em mente que o que fazem ou dizem afeta o outro. Aprendam como trazer felicidade ou paz de espírito, um ao outro.

Se ambos se preocuparem com a felicidade do outro nunca irão se separar. Seu elo não poderá ser rompido. Se, por outro lado, vocês colocarem a responsabilidade pela sua felicidade em seu cônjuge, se sentir que ele ou ela lhe deve algo, somente verá as falhas do seu parceiro. Se sua motivação fundamental for a esperança de que o outro o fará feliz, então o seu casamento não será tão fácil, e sua felicidade não durará tanto. Aproximar-se do casamento com um ponto de vista egocentrado, estabelece automaticamente as circunstâncias que irão frustrar a possibilidade de um bem maior. Mas, se sua motivação for trazer felicidade à outra pessoa, ambos serão felizes tanto a curto quanto a longo prazo, e trarão felicidade àqueles a seu redor. Este é o significado do sucesso tanto num senso mundano quanto espiritual.

A felicidade que experimentamos na vida depende muito de nossa motivação. E a nossa motivação é tão importante no casamento quanto em qualquer outra área humana. Embora uma motivação altruísta não seja o mesmo que boditchita, que possui um âmbito maior – o benefício temporário e definitivo de todos os seres –, é um modo de praticar o altruísmo de modo muito direto, com a pessoa que está ali, a seu lado. E você pode usar o relacionamento com seu cônjuge como um modelo de relacionamento para com todo o mundo.

Para manterem seus compromissos, vocês precisam estar preparados para enfrentar obstáculos com coragem. Embora aspiremos ao divino, atritos podem ocorrer. Nenhum de nós é perfeito. Em nossos relacionamentos, é comum enfrentarmos emoções negativas, mesquinharias, pensamentos egoístas, e todos os tipos de estados físicos e mentais, alguns agradáveis, outros desagradáveis. Estas coisas irão testar seu compromisso – ele deve ser capaz de suportar o que quer que aconteça. O importante não é o que virá, mas como vão lidar com isso, como vão trabalhar para garantir que seu casamento dure por toda a vida.

Comprometam-se a ajudar um ao outro, a serem amigos um do outro, em qualquer circunstância. Quando surgirem dificuldades, não importa se grandes ou pequenas, não lhes dêem tanta importância. Lembrem-se que seu parceiro é um ser humano, não um deus. Focalizem nas suas boas qualidades e não se apeguem às dificuldades. Quando o problema surgir, lembrem-se que somos todos humanos e deixem-no de lado. Durante os tempos difíceis lembrem-se que sua união é para toda a vida, seu dever é fazer o melhor. Não há tempo para discussões. Além do mais, pensar que você está certo e o outro errado é um engano que perpetua o sofrimento. Em vez disso, sejam pacientes e lembrem-se que o único benefício na hora de sua morte será a virtude que criarem nesta vida. Se mantiverem esta perspectiva no dia-a-dia, as discussões serão resolvidas e vocês vão desenvolver a paciência, o amor, a compaixão e a aceitação, qualidades que irão melhorar seu relacionamento.

Sua motivação altruísta no casamento dá corpo à primeira das seis perfeições – a generosidade, prática que é um dos meios excelentes para se acumular mérito e aumentar as qualidades virtuosas. Através do amor e compromisso, agora e no futuro, enquanto mantiverem em seus corações o amor um pelo outro, enquanto falarem de seu amor um para o outro, quando trocarem anéis como sinais físicos de seu elo, estarão expressando a qualidade da generosidade. O seu compromisso, de agora em diante, de usar o seu corpo, fala e mente para fazer feliz um ao outro, é mais uma expressão dessa generosidade.

Vocês também trazem para o casamento a segunda perfeição: a disciplina moral. Isto significa viver juntos de acordo com princípios maiores, eliminando hábitos que não servem ao relacionamento, comportamentos mesquinhos, egoístas e desarmoniosos, e acentuando qualidades positivas e altruístas como bondade amorosa, que traz grande benefício. Seu caminho espiritual é um caminho de virtude, trazendo alegria e felicidade aos outros e evitando ações descuidadas que possam causar mal ou infelicidade. Como praticantes, vocês devem usar seus corpos, falas e mentes para protegerem a si e ao seu relacionamento de obstáculos potenciais ou negatividade, e tentar, habilmente, beneficiar um ao outro. Se seu foco forem as necessidades de seu parceiro, já terão encontrado um modo poderoso de evitar problemas.

Não há dúvidas que a vida a dois é um desafio. Não se prendam à idéia de como o casamento deve funcionar, ao invés, aprendam como não perturbar um ao outro, como atingir mais e mais alegria e harmonia. Quando surgirem coisas que não gostem, tentem trabalhar com a aversão em suas próprias mentes, no contexto de sua prática do Darma em vez de tentar mudar o modo de ser do seu parceiro.

Isto também é muito importante se decidirem ter filhos. Quando vocês se tratam mutuamente com respeito e amor, e tentam resolver pacificamente os problemas que surgem, seus filhos terão um modelo a seguir para desenvolverem com sucesso seus próprios relacionamentos.

A terceira perfeição, a paciência, é uma das qualidades mais importantes que podem trazer para o casamento. Façam a promessa de sempre manterem a harmonia e lembrem-se que independentemente das mudanças externas ou emocionais pelas quais seu parceiro está passando, ele, ou ela, não é um buda. Seu companheiro é um ser humano que lida com seus próprios problemas. Tente lidar com isso com compaixão e paciência, mantendo o foco no elo que os une e não nos problemas. Tentem não ficar aborrecidos com as dificuldades que invariavelmente surgem quando as pessoas vivem juntas. Ao menos, não se fixem nelas, tentem resolvê-las imediatamente.

Sua prática de paciência trará grandes benefícios a curto prazo, no contexto de seu casamento, e também a longo prazo. Quando praticam a virtude, especialmente uma virtude tão poderosa quanto a paciência, infalivelmente o resultado será uma grande felicidade futura, o que pode ser chamado de experiência de paraíso ou terra pura. Através da raiva, ferindo os sentimentos de seu parceiro, através de seu desejo egoísta, pensando não no que faria o seu companheiro feliz, mas sim em seus próprios desejos egoístas, e através da ignorância, não conseguindo discernir quais são os comportamentos verdadeiramente prejudiciais e quais os benéficos, vocês estarão criando sofrimento a curto e longo prazo. Pois paraíso e inferno não existem fora de vocês. São, sim, reflexos dos aspectos positivos e negativos de suas próprias mentes.

Manter o compromisso que fazem um ao outro como marido e mulher requer diligência, a quarta perfeição. É necessário um grande esforço para manter verdadeira a sua ligação, empenhar-se tanto no contexto mundano quanto no de sua prática espiritual para ajudar um ao outro a atingir seus objetivos e trazer benefícios para vocês e para os outros. Todos os tipos de companheirismo no caminho são cruciais ao nosso desenvolvimento enquanto praticantes espirituais, e as qualidades de nossos amigos podem nos influenciar muito. Por isso é importante que usem seu casamento como uma oportunidade de apoiar a prática do Darma de cada um, nunca permitindo que as ações do outro, suas palavras ou atitudes, se tornem obstáculos a seu caminho espiritual.

Isto requer uma prática espiritual diligente, tentando não apenas uma ou duas vezes, mas ao longo de toda suas vidas juntos atingir essas metas espirituais.

Lembrar-se sempre de seu elo, mantendo-o em seus corações e nunca deixando que se parta, envolve a quinta perfeição, a estabilidade meditativa. Isto significa focalizar naquilo que trará felicidade duradoura para vocês e para outros. Não importa quão jovens e atraentes vocês sejam hoje quando fazem juntos os seus votos. A beleza física não vai durar para sempre. Não se focalizem nela. Lembrem-se que tudo neste mundo está sujeito à decadência. Tudo que é composto, que se junta, no fim, se separa. Mas enquanto estão juntos, vocês podem trazer alegria um ao outro, podem criar virtude e podem apoiar sua própria prática espiritual e a de seu parceiro. Embora esta vida possa ser curta, a ligação que vocês estabelecerem através do envolvimento positivo e através de sua prática espiritual continuará a beneficiar a ambos por várias vidas futuras.

Finalmente, vocês trazem para o casamento a sexta perfeição, a da sabedoria, do conhecimento transcendental. Independente das alegrias e tristezas das suas experiências, como indivíduos e como par, lembrem-se que esses eventos passageiros são como ecos, ilusões, que vêm e vão, que nada que vocês experimentam possui uma existência inerente. Toda a experiência de nossas vidas é como um sonho noturno cheio de alegria e pesar, felicidade e tristeza. E do mesmo modo que acordamos de manhã e vemos que nada realmente ocorreu, podemos olhar para nossas experiências passadas em nossas vidas e ver que foram ilusórias. Os muitos momentos de felicidade e tristeza já passaram agora.

Entender a natureza profunda de nossa experiência não significa desconsiderar nossas experiências felizes. Nós ainda sentimos alegria, mas ao mesmo tempo percebemos que ela não é real como pensávamos. Quando estamos infelizes, lembramos que nossa infelicidade também é passageira. Esta perspectiva ajuda a reduzir nosso apego a que as coisas ocorram de certo modo, assim como nossa aversão às dificuldades. Percebemos que não são as condições externas as responsáveis por nossa felicidade ou infelicidade, mas o modo como reagimos a essas experiências. Isto traz aceitação e equilíbrio às nossas vidas.

Tentem manter uma consciência ininterrupta da sua verdadeira natureza, que está além dos extremos da felicidade e tristeza, prazer e dor, esperança e medo. Embora pareçam ser pessoas comuns, se tiverem uma ligação interna com a essência de sua prática, se tiverem essa visão mesmo enquanto fazem seu trabalho diário, obterão algo muito poderoso e benéfico, não importa onde vocês vivam, o que vistam, como possam agir.

A perfeição da sabedoria, no seu senso mais profundo, é corporificada pela união do masculino e do feminino que é fundamental ao caminho espiritual de Budadarma. O aspecto manifesto de todos os fenômenos corresponde ao princípio masculino dos meios hábeis, e a verdadeira natureza desses fenômenos, vacuidade, ao aspecto feminino da sabedoria, ou conhecimento transcendental. Se examinarmos qualquer elemento de nossa experiência, encontramos que sua natureza própria é vacuidade, contudo, as coisas ainda assim aparecem. Forma e vacuidade, vacuidade e forma, existem em união uma com a outra. A compreensão da inseparabilidade da vacuidade dos fenômenos e sua aparência é a qualidade transcendental que deve ser cultivada e nutrida durante suas vidas juntos.

Na sociedade humana, o elo entre mulher e homem é a expressão dessa verdade mais profunda, o casamento é uma expressão dessa harmonia. Isto traz uma dimensão mais profunda ao casamento de dois indivíduos que estão envolvidos no caminho do Darma, porque eles possuem meios de incorporar em suas vidas esta união de masculino e feminino nos quais os ensinamentos acima se fundamentam.

Se vocês permanecerem fiéis à visão da sabedoria em seu casamento e sempre, em sua vida em comum, trabalharem para trazer um benefício maior para vocês, reciprocamente, a curto e longo prazo, seu relacionamento produzirá nada mais que felicidade nesta e em vidas futuras, e sua união corporificará a essência dos princípios do Darma sagrado.